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Justiça

Propina de R$ 1 milhão no TJSP liberaria traficante aliado de Minotauro, do PCC, e de Beira-Mar, diz PF

Pagamento por venda de sentença a desembargador Ivo de Almeida não foi efetivado; servidores da Justiça e advogados também são investigados

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Minotauro, do PCC, e Fernandinho Beira-Mar, do CV: aliados de Comandante Johnnie

O esquema investigado pela Polícia Federal (PF) de venda de sentenças, no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), esteve perto de colocar em liberdade um narcotraficante preso desde 2019, ligado a Sérgio de Arruda Quintiliano Neto, o Minotauro, do Primeiro Comando da Capital (PCC), e também ex-parceiro de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, do Comando Vermelho (CV).

Romilton Queiroz Hosi, mais conhecido como Comandante Johnnie, acertou propina de R$ 1 milhão, a ser paga ao desembargador Ivo de Almeida, da 1ª Câmara de Direito Criminal do TJSP. É o que aponta documento da Operação Churrascada, deflagrada sexta-feira (21) pela PF, que afastou do cargo o investigado.

“O desembargador Ivo de Almeida, por meio de Wilson Vital de Menezes Junior, foi oferecida a importância de R$ 1 milhão. Afirma-se categoricamente que o desembargador aceitou a proposta de ‘venda de decisão judicial’, mas houve dificuldades, pelas peculiaridades do caso concreto, em convencer os demais membros da Câmara a participar da corrupção”, registra o documento do Ministério Público Federal, com base nas apurações da PF. Wilson Junior era espécie de “representante” do desembargador.

Ivo de Almeida, dois servidores do TJ paulista, advogados e familiares são suspeitos de manterem esquema de venda de sentenças e decisões. As propinas variavam de R$ 100 mil a R$ 1 milhão, mostram as quebras de sigilos das conversas dos alvos. Os acertos envolviam direcionamento de processos para o magistrado, fraudes documentais, corrupção e lavagem de dinheiro.

As investigações apontam que o acerto foi fechado por dois advogados intermediadores, mas acabou não se efetivando por dificuldades em conseguir apoio de outros membros da Justiça, segundo a PF.

“Os elementos colhidos no curso da investigação apontam a concreta periculosidade dos agentes, entendida como o risco concreto de reiteração delitiva pelos investigados. Inclusive, quanto a Romilton Queiroz Hosi, há indícios de que já tenha comprado fuga do sistema prisional”, registra o subprocurador-geral da República Carlos Frederico dos Santos.
O acerto era para que um recurso da defesa do Comandante Johnnie fosse aceito no TJSP, durante um plantão do magistrado, para relaxar a prisão e conseguir a transferência para uma cadeia em Cuiabá, em que efetuaria fuga.

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Quem é Romilton Hosi?
Seria mais uma fuga no currículo criminal do Comandante Johnnie. Condenado a quase 40 anos de prisão por tráfico internacional de cocaína, ele não é um traficante comum em um país por onde passa metade da droga produzida na Colômbia, Bolívia e Peru. Foi, por uma década, um dos pilotos do narcotráfico mais procurados do mundo, por seus elos com grandes barões do pó. Além da PF, polícias dos Estados Unidos, Inglaterra, Paraguai e outros países caçavam Hosi.

Amigo do CV
Em 2002, ele foi preso por ligações com Beira-Mar. Carregava meia tonelada de cocaína e um outro parceiro deles, armamento de guerra — esse foi preso no Suriname. Hosi fugiu no ano seguinte do Fórum de Mato Grosso do Sul e ficou dez anos foragido. Na época, foi apontado suposto pagamento de R$ 1 milhão aos policiais da escolta para facilitar a fuga.

Mantinha contatos também e foi processado com Leonardo Dias Mendonça, conhecido como Barão do Tráfico, na fronteira com o Paraguai, outro ex-parceiro de Beira-Mar.

Amigo do PCC
O negócio cresceu e Hosi virou parceiro dos traficantes. “Foi preso em 2019 pela Polícia Federal utilizando o nome falso de Robson Magalhães Neto”, registra o inquérito. “A PF encontrou mais de 300 quilos de droga assim como diversas armas de fogo.”

Nessa época, estava associado a outro chefão do pó: o Minotauro, que assumiu posto chave do PCC no tráfico internacional, a partir de 2016. Foi a partir da prisão de Hosi, em março de 2019, em Jundiaí (SP), feita pela PF e pela National Crime Agency (NCA), do Reino Unido, que no ano seguinte foi deflagrada a Operação Além-Mar.

Minotauro foi o alvo central. Foram apreendidas mais de 11 toneladas de cocaína que o grupo movimentou, no Brasil e na Europa, de 2018 a 2021. Na Além-Mar, foram identificados e sequestrados pela Justiça de Pernambuco sete aviões, nove helicópteros, 42 caminhões, 35 imóveis (mansões e fazendas) e R$ 100 milhões.

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O esquema de Hosi envolvia o uso de aeronaves para colocar a droga no Brasil, pela fronteira com o Paraguai, em especial, o transporte por terra em caminhões até o litoral do Nordeste e Norte para envio por barcos para a Europa e África. Outra parte abastecia o mercado interno do PCC. Natal (RN) era um dos principais pontos de saída dos veleiros com a droga.

As investigações da Churrascada dividem os alvos em três núcleos: advogados, intermediadores e servidores públicos. Neste último, além do desembargador, estão Marcos Alberto Ferreira Martins e Silvia Rodrigues, servidores do TJSP.

Quebras de sigilo bancário mostraram movimentações suspeitas de dinheiro. Entre os advogados alvos, estão os que ajudaram na elaboração do habeas corpus que libertaria o narcotraficante ligado a Beira-Mar e Minotauro e um que foi preso em 2021, alvo da Operação Contágio — origem da descoberta do esquema de venda de sentenças.

Liberdade paga
A PF conseguiu quebras sigilos dos investigados e descobriu que os primeiros contatos entre os advogados de Hosi e os alvos são de 2018. O acerto de R$ 1 milhão foi mais recente, de setembro de 2020 a janeiro de 2021.

A PGR destaca que na apuração “foi constada novamente a tentativa de soltura ilegal de Romilton Queiroz Hosi por meio da compra de decisão judicial relatada no contexto das investigações”. Há processos contra ele em Pernambuco, São Paulo e Mato Grosso.

Em uma mensagem, eles comunicam que o dinheiro estava disponível. “Também é mencionada em diferentes oportunidades a possibilidade de transporte de dinheiro em espécie vindo do Paraguai para custear a decisão que, no mínimo, abrande a situação carcerária de Romilton.”

Para a PGR, o caso de Hosi na venda de sentenças indica “vínculos mais sólidos com outras organizações criminosas, alcançando outros órgãos de Estado e inclusive possíveis delitos transfronteiriços”.

A PGR pediu que Hosi seja transferido para o Sistema Penal Federal de segurança máxima.

A PGR foi contra a prisão de Ivo de Almeida, mas concordou com as ordens para os seis advogados que teriam ligação com o esquema, em especial, os do caso Hosi.

Ivo de Almeida foi afastado do cargo pelo STJ. O ministro Og Fernandes não aceitou o pedido de prisão dos acusados.

A defesa de Ivo de Almeida informou que ainda vai ter acesso ao processo para se manifestar. As defesas dos demais não foi localizada.



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