Justiça
Ter uma bicicleta, colocar um isopor nas costas e sair pedalando não é empreendedorismo, diz Dino
Ministro do STF cita “bomba social e fiscal” por falta de direitos trabalhistas e de contribuição previdenciária dos entregadores de aplicativo
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O magistrado disse que a situação tem levado a uma “bomba social e fiscal”, pelo fato de esses trabalhadores não terem direitos trabalhistas que são reconhecidos há mais de 100 anos e por deixarem de contribuir para a previdência social.
“Evidentemente sei o papel da livre iniciativa, e respeito. Obviamente por apreço e acatamento à Constituição, mas desde que isso seja real”, afirmou. “Ter uma bicicleta, colocar um isopor nas costas e sair pedalando não é empreendedorismo”.
“Desprovido de qualquer patamar de direitos. Descanso semanal, eu estou falando de século 19, início do século 20, descanso semanal remunerado, 13º [salário], férias, proteção previdenciária básica”.
A declaração foi feita durante o 9º Congresso Brasileiro de Direito Eleitoral, realizado em Curitiba.
“O que temos é uma bomba social e, chama atenção, uma bomba fiscal”, afirmou Dino.
“Estes que são arautos da ideia de sustentabilidade fiscal, que é um conceito fundamental da nossa Constituição, deveriam lembrar que estes senhores e estas senhoras que trabalham como empreendedores do seu próprio corpo, um dia serão idosos e, ao serem, por não terem contribuído para a previdência, eles irão receber benefício assistencial, não contributivo, e o conjunto da sociedade vai pagar”, declarou.
“Ao adoecerem, eles vão ser tratados no SUS, então creio que essa ideia de igualdade interessa a toda a sociedade, mesmo os que estão no topo da pirâmide social”.
Em nota, a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec) disse defender a regulamentação do transporte intermediado por aplicativos para motoristas e entregadores desde 2022 e que reforçava a necessidade de alterações na legislação que permitissem a inclusão previdenciária desses trabalhadores.
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Uberização
A posição do ministro toca no ponto do fenômeno conhecido como “uberização” do trabalho. É desempenhado por entregadores ou motoristas de carro ou moto por meio de uma mediação fornecida por aplicativos de celular.
O tema é alvo de intensa controvérsia no Judiciário, principalmente por interpretações diferentes dadas pela Justiça do Trabalho e pelo STF.
O Supremo tem dado diversas decisões individuais derrubando o entendimento de tribunais do trabalho que reconhecem o vínculo de emprego entre plataformas de aplicativos e trabalhadores.
Em dezembro, a primeira turma do STF fixou um entendimento sobre o tema, ao derrubar uma decisão da Justiça do Trabalho que havia reconhecido o vínculo de emprego de um motorista com a plataforma Cabify.
Na época, Dino ainda não integrava o colegiado.
O entendimento dos ministros é de que a Justiça do Trabalho tem descumprido definições do Supremo no assunto.
São citados, por exemplo, decisões do Supremo sobre a validade da terceirização da atividade-fim em todas as atividades empresariais e a validade de outras formas de relação de emprego, que não a regulada pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).
Prós e contras
Um dos defensores do novo formato de trabalho é o ministro Alexandre de Moraes. Para ele, a relação entre empresas de aplicativos e os que atuam como motoristas é uma “nova forma de trabalho” que possibilita aumento de emprego e renda e a liberdade.
Conforme Moraes, o serviço de transporte e entrega por aplicativo é uma evolução que possibilitou melhores condições da população obter renda. Reverter isso seria, para ele, inconstitucional e “extremamente prejudicial à sociedade”.
“É a livre-iniciativa que a Constituição consagra garantindo novas possibilidades das pessoas terem uma forma de produzir renda”, afirmou, durante o julgamento da primeira turma, em dezembro.
“Aquele que dirige o veículo, que faz parte da Cabify, Uber, iFood, ele tem a liberdade de aceitar as corridas que quer, de fazer seu horário e, a maioria dos profissionais destaca”, declarou.
“Ele tem a liberdade de ter outros vínculos. Você é um microempreendedor, é uma forma de trabalho nova, no Brasil e no mundo todo. Isso foi uma evolução, não sem resistência”.
Coube à ministra Cármen Lúcia fazer uma ponderação ao sistema, citando preocupação com a situação da previdência.
Segundo a magistrada, as pessoas que atuam no formato uberizado “não têm direitos sociais garantidos na Constituição, por ausência de serem devidamente suportados por uma legislação que diga como será a seguridade social para eles”.
Ela também disse que não basta simplesmente aplicar a CLT a esse novo formato de trabalho. “A relação é diferente. Não tenho dúvida que a manutenção dessas situações restabelecendo algo que não está na lei descumpre, sim, a legislação. O Brasil adotou outros modelos de trabalho. Então a chamada uberização e pejotização entronizou-se na vida das pessoas.”
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