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Economia

Empresas de seguro estão por trás da farra dos descontos no INSS


Em nome de aposentados – muitos deles pobres -, associações dos descontos do INSS têm digitais de empresários cujos produtos elas oferecem


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São Paulo — Empresas do ramo de seguros e planos de saúde estão por trás das associações envolvidas na farra dos descontos feitos diretamente na folha de pagamento das aposentadorias do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Principais beneficiários dessas entidades, que cobram mensalidades em troca de supostos serviços, os sócios das empresas têm suas digitais na formação e operação das associações, que são formalmente registradas, em sua maioria, em nome de aposentados que moram em bairros de periferia.

As entidades enfrentam mais de 60 mil processos judiciais em todo o país por descontos indevidos, com indícios de fraude para filiar milhares de aposentados sem a autorização deles. O Metrópoles apurou que os empresários ligados a essas associações também acumulam ações na Justiça por aplicarem um esquema semelhante em empréstimos consignados e têm relações com lobistas investigados pela Polícia Federal (PF) nos últimos anos

Revelada pelo Metrópoles, a farra dos descontos em aposentadorias virou alvo de investigações da Controladoria-Geral da União (CGU) e do próprio INSS, órgão é responsável por firmar os “acordos de cooperação técnica” que permitem às associações aplicar “desconto de mensalidade associativa” nos benefícios de aposentadoria e pensão. Somente entre 2023 e 2024, o faturamento mensal dessas associações saltou de R$ 85 milhões para R$ 250 milhões mensais. No período, elas arrecadaram, juntas, R$ 2,2 bilhões.

O “Clube Prime”
Uma dessas entidades é a Amar Brasil Clube de Benefícios. Ela tinha faturamento de R$ 2,4 milhões em janeiro de 2023 e hoje arrecada R$ 10 milhões mensais com contribuições de aposentados. Desde então, já faturou R$ 104 milhões. Na Justiça, há muitos processos nos quais ela não consegue comprovar a legalidade das filiações de aposentados que lhe garantem os descontos. Há condenações de até R$ 10 mil em indenizações a aposentados.

A Amar tinha 212 mil filiados no início deste ano. Seu acordo com o INSS foi firmado em agosto de 2022. Em novembro daquele ano, a entidade registrou em cartório a ata de eleição dos quadros de sua diretoria atual, composta por aposentados. Na mesma data, foi aprovada a mudança da sede da entidade de Belo Horizonte para o bairro da Vila Olímpia, na zona Sul de São Paulo.

A presidente eleita foi a aposentada Janie Lupianhez Piva, de 69 anos, que tem empresas de comércio de roupas, e o documento foi redigido pelo secretário administrativo Américo Monte. Ele é o elo entre a entidade e empresas do ramo de seguros. Em nome da neta de Monte, Micaela da Silva Magalhães, de 24 anos, está registrada a empresa “Meu Bem Protegido”, de seguro de veículos.

A “Meu Bem Protegido” não tem suas redes sociais atualizadas desde 2021, mas seu CNPJ está estampado no site da Amar Brasil Prime Clube — quase homônima da associação Amar Brasil —, que vende seguros para colisões e roubos de veículos. Até a última quinta-feira (4/4), a página mantinha documentos com regulamento e manual de serviços nos quais havia também o CNPJ da associação conveniada com o INSS e explicações detalhadas dos benefícios mantidos por ela.

Tudo na documentação tem a mesma identidade visual do site da associação, inclusive um logotipo parecido. Após o Metrópoles questionar a associação Amar Brasil sobre sua relação com a empresa, a entidade negou qualquer vínculo e, no dia seguinte, os documentos com seu CNPJ foram retirados do site da empresa que está em nome da neta do secretário administrativo da entidade.

Sócia da empresa que se mistura com a Amar Brasil, Micaela chegou a aparecer em um inquérito da Polícia Civil de São Paulo sobre supostas falsificações de assinaturas de idosos para beneficiar empresas de seu pai, Américo Monte Júnior. Na investigação, um funcionário da família disse que ela ensinava como copiar assinaturas de clientes para fraudar contratos em empréstimos consignados. Ele disse que havia filmado a prática, mas, meses depois, contou à polícia que perdeu as imagens. O inquérito foi arquivado.

Ao Metrópoles, a Amar Brasil Clube de Benefícios rechaçou ter ligações com a Amar Brasil Prime Clube e a empresa Meu Bem Protegido.

Mesma família, outra associação
Uma outra entidade que acabou de firmar acordo com o INSS também tem as digitais da família Monte, a mesma da Amar Brasil. A Associação de Amparo Social ao Aposentado e Pensionista (Aasap), que foi autorizada a descontar 2,5% dos vencimentos de aposentados em março deste ano, era constituída até novembro por Micaela Magalhães e seu tio, segundo documentos de constituição da entidade obtidos pelo Metrópoles.

No papel, a associação era chamada de Chronos Clube de Benefícios, com o mesmo CNPJ, até novembro de 2023, quando mudou o nome para Aasap e o endereço para o bairro do Brooklin, na zona sul de São Paulo. Um contrato entre a Chronos e um cliente, obtido pela reportagem, mostra que o serviço oferecido, de proteção veicular, é idêntico ao da empresa que está por trás da outra associação, a Amar Brasil.

Quem liga para o telefone da Aasap, um 0800, não passa da caixa postal gravada, que resulta sempre em um sinal de ocupado e na queda da ligação. No endereço que consta no site e no registro da entidade junto à Receita Federal, uma sala comercial na zona sul de São Paulo, os recepcionistas disseram que o espaço está sem uso “há anos”. A reportagem deixou contato com o zelador, mas não obteve retorno. O presidente formal da associação, um aposentado que mora na capital, não foi localizado. O espaço segue aberto para manifestação.

Em nome de corretora
Como mostrou o Metrópoles, entre janeiro e dezembro de 2023, o número de entidades habilitadas pelo INSS saltou de 21 para 29. O ritmo continuou acelerado neste ano. Responsável pela assinatura desses acordos, o diretor de Benefícios da INSS, André Fidelis, e seu substituto na pasta, firmaram sete novos contratos em 2024.

Uma dessas entidades mais novas é a Associação dos Beneficiários da Previdência Social do Brasil (Abenpreb). Segundo seu registro na Receita Federal, a entidade foi aberta em abril de 2022, e é presidida por uma aposentada de 72 anos do Rio de Janeiro. No mesmo registro, consta o contato da corretora de seguros Pryde.

A Pryde pertence a um empresário dono de várias empresas do setor. Uma delas acumula condenações e acordos para indenizar correntistas de bancos por aparecer, de surpresa, descontando valores indevidos de contas correntes. A empresa afirmou ao Metrópoles não ter “qualquer relação” com a Abenpreb e diz “desconhecer qualquer motivo que vincule” seu “endereço eletrônico à ela”. Nenhum contato da Abenpreb funciona e a reportagem não localizou seus responsáveis. O espaço segue aberto para manifestação. Nos dias seguintes, o contato da Pryde foi retirado do registro da Abenpreb e, em seu lugar, consta um número que não existe.

Diretor do INSS não vê falha
A reportagem enviou à diretoria de benefícios do INSS perguntas sobre falhas na verificação dessas associações e a respeito do motivo pelo qual a área continua a aprovar tantos acordos mesmo em meio a uma chuva de ações judiciais e reclamações de descontos fraudulentos. A reportagem também encaminhou perguntas ao órgão sobre o elo entre empresas de seguros e as entidades e a suspeita de que parte delas firmou contratos com o INSS sem ter sequer saído do papel.

O diretor de benefícios André Fidelis afirmou que o INSS não falhou no dever de fiscalizar essas entidades e disse que as reclamações sobre descontos indevidos não chegam a 2% do total dos descontos em todo o país. Ele também lembrou que o INSS não deve responder pelos descontos indevidos atribuídos a associações. O diretor de benefícios do INSS ainda afirmou que todos os casos de irregularidades serão investigados.

Fidelis enviou à reportagem uma planilha com acordos que afirma ter firmado e aqueles que foram feitos em governos e gestões anteriores do INSS. Nesse documento, ele atribui a si mesmo a assinatura de dois acordos em 2024 – foram sete. Também cita prorrogações de acordos com entidades antigas como se fossem assinaturas de novos termos.

Ambec, a campeã dos R$ 30 milhões
Entre 2023 e 2024, nenhuma entidade chegou sequer perto do salto de faturamento da Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec). A entidade tinha 38 mil filiados em janeiro de 2023. Hoje, passam dos 650 mil, o que lhe rende um faturamento de R$ 30 milhões mensais. A Ambec acumula milhares de queixas, processos e coleciona condenações judiciais a indenizar aposentados.

Firmou termo de cooperação com o INSS em 2021. Quem assinou o acordo pela entidade foi Antonio Bacic, pai de Ademir Bacic, médico e CEO da Prevident, operadora odontológica voltada a servidores públicos. Na capa do acordo, também aparece o contato de Douglas Rodrigues de Souza, outro funcionário da Prevident. Diretor da Prevident, José Hermicesar Brilhante também figura nos quadros de diretores estatutários da Ambec.

A Prevident é ligada ao Grupo Total Health, do empresário Maurício Camisotti. Ele é tio de Ademir Bacic e cunhado de Antonio. Camisotti é um personagem conhecido em Brasília. Em meio à CPI da Covid, um relatório mostrou que ele fez uma operação de R$ 18 milhões junto à Precisa Medicamentos, conhecida pela fraude no contrato bilionário para vender a vacina Covaxin ao governo federal. Até hoje, ele abriga em seu império gente da Precisa, como o executivo Luis Blotta, que também presidiu a Global Saúde, outra empresa investigada na CPI da Covid.

Suas empresas acumulam milhões em contratos com o poder público. Em um passado recente, elas foram expulsas do Geap, plano de saúde de servidores públicos federais, após a direção do órgão considerar que lhe deram prejuízo.

Como mostrou o Metrópoles, a Ambec, ligada ao império Camisotti, tem como presidente uma auxiliar de dentista que mora no extremo leste de São Paulo. Ela é apenas uma laranja no comando da entidade. Uma briga nas entranhas da entidade mostra que o expediente foi comum ao longo dos últimos anos, além de acusações de fraudes contra aposentados.

A guerra se deu entre Camisotti e a empresa Acttus, que tem como sócio um policial civil aposentado que era de seu círculo de confiança. Eles romperam, o que deu início a uma troca de acusações.

Acttus é defendida pelo advogado Eli Cohen, especialista em advocacia investigativa que fez um trabalho de apuração sobre fraudes na Ambec. Em petições, fruto de sua investigação, ele diz que a entidade pertence a Maurício e acusa até mesmo a compra de dados do INSS para fraudar filiações de aposentados à Ambec.

“Tais informações foram e vêm sendo adquiridas irregularmente por Maurício Camisotti, que as utiliza para promover a filiação fraudulenta de contratos associativos com a Ambec, promovendo a venda massiva de planos de benefícios oferecidos pelo grupo de Maurício, sem autorização do aposentado”, afirma.

Os e-mails, aos quais o Metrópoles teve acesso, mostram diversos diálogos em que Camisotti trata da Ambec. Em uma das mensagens, são debatidos os nomes de aposentados que deveriam integrar os quadros da entidade. Há também mensagens de WhatsApp nas quais o próprio empresário instrui encaminhar a um de seus executivos uma cobrança do Procon que chegou pelo correio para a Ambec.

Camisotti nega ser “dono” da Ambec
O empresário Maurício Camisotti afirmou que não é dono da Ambec, porque a entidade já tem dirigentes estatutários. Ele afirma ter sido procurado pelo sócio da Acttus para ajudá-lo com a Ambec e que apenas permitiu que ele usasse os serviços de alguns funcionários e fez “aconselhamentos do segmento” sobre gestão.

E diz que a operação milionária com a Precisa foi feita para a compra de testes de covid. Ele afirma que o ex-policial e Eli Cohen tem feito acusações falsas e que documentos obtidos pela reportagem podem ter sido adulterados. Também disse tem sido alvo de acusações falaciosas e tomará medidas na Justiça.

Sua narrativa é recheada lacunas, erros factuais e contradições. Desde o ano passado, o dono da Acttus briga na Justiça por ter sido alijado do comando da Ambec e, entre os diretores estatutários atuais da entidade, consta justamente um diretor de empresas do grupo Total Health e homem de confiança de Camisotti. Na época em que havia paz entre Camisotti e a Acttus, seu cunhado era presidente da Ambec e assinou o contrato com o INSS.

A primeira resposta que a Ambec deu ao Metrópoles, em dezembro de 2023, sobre descontos indevidos foi formulada por Fernando Araneo, advogado de Camisotti, inclusive em denúncias contra o dono da Acttus. Araneo também assina uma petição extrajudicial pedindo ao Metrópoles para tirar reportagens do ar.

A reportagem conversou com funcionários da Ambec que declaram publicamente – e inclusive em suas redes sociais – serem parte dos quadros da Total Health. Também obteve acesso a e-mails, que não estavam em posse de Eli Cohen, que mostram a atuação de ambos pela entidade, inclusive com assinaturas do Total Health, datados de 2024. Nenhum dos dois quis responder e fugiram da reportagem.

Luis Antonio Blotta diz que nunca foi sócio da Precisa Medicamentos. Os quadro de diretores e sócios da empresa registrado na Junta Comercial de São Paulo diz o contrário. Ele diz não ter sido sócio da Global Gestão em Saúde, ligada a Maximiano. É verdade. Foi apenas seu presidente, segundo registros da Junta Comercial.

Douglas Rodrigues afirmou que era da Obasp, outra associação. Ele afirma ter sido ameaçado, ao lado de outros funcionários, por Eli Cohen e o ex-policial civil da Acttus. Ele disse que eles sumiram com documentos da empresa.

Ademir Bacic negou ter indicado seu pai à presidência da Ambec. Também negou ingerência de seu tio, Maurício Camisotti, na escolha do presidente da entidade. Ele nega inclusive ser do Grupo Total Health, que o apresenta em suas próprias redes sociais em uma relação de “líderes” do grupo.

Bacic é CEO da Prevident, uma empresa em nome de José Hermicesar, secretário-geral da Ambec. A empresa está no rol de operadoras da Rede Brazil Dental, que também é de Hermicesar e integra o Grupo Total Health.




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